Ver indivíduos fuçando no lixo e chafurdando no gueto que chamam de "lar" não é, racionalmente, uma imagem das mais agradáveis - sobretudo quando eles são impiedosamente esmagados contra a parede pelo Sistema que deveria auxiliá-los. Essa imagem não é nova nem rara, pois vejo na TV todos os dias a ponto de me insensibilizar.
Por isso foi com surpresa que me percebi indignado com a primeira meia hora de "
Distrito 9", que reencena em forma de documentário a desocupação de uma favela por um órgão do governo - e o fato de serem alienígenas terrivelmente feios no lugar de qualquer minoria humana não diminuiu em nada minha indignação.
Este é o grande mérito do filme: se valer da ficção científica para fazer um comentário extremamente válido sobre o mundo em que vivemos hoje, cá desse lado da tela. A associação ao apartheid sul-africano ou mesmo aos conflitos entre palestinos e israelenses é praticamente obrigatória aos que mantém um mínimo de contato com o noticiário, mas seus realizadores resgatam a essas imagens o tom de incômodo que a mídia conseguiu banalizar.
Gosto quando um filme faz com que me sinta assim, incomodado/provocado. Mas o gosto ruim que o filme me deixou não vem daí - vem do "efeito Shrek". Explico:
No seu lançamento, "Shrek" foi vendido como um filme anárquico, subversivo até, dada a liberdade que tomava em destruir as convenções dos contos de fadas. Pois eis que, para Shrek se casar e viver feliz para sempre, foi necessário que a princesa, bonita como Cameron Diaz, se transformasse num ogro igual a ele - a mesma dificuldade que o cinema ainda tem de retratar um casal interracial. Falta de coragem para seguir com a "subversão" até suas últimas consequências: eis o "efeito Shrek".
"Distrito 9" consegue manter seu pique durante seu segundo terço, depois que seu protagonista, Wikus Van Der Merhe (escroque, mas gente como a gente) se infecta com um reagente alienígena e passa, ele próprio a se transformar num deles. Mas a partir do momento em que o filme toma a rota da ação, ele começa a perder a fé no seu próprio impacto. Wikus se torna uma espécie de Rambo mutante: um herói incomum, mas ao mesmo tempo tão parecido com tantos outros que conhecemos: ele é O ESCOLHIDO.
Enquanto isso, os pobres alienígenas pobres do Distrito 9 continuam relegados ao segundo plano, ao papel de massa de manobra que deve exercer toda a minoria. Nem mesmo o seu silêncio e sua desagregação é questionado. Incluí-los na solução dos problemas não é uma obrigação dos realizadores do filme, mas ignorar essa possibilidade fez com que um belo desdobramento passasse batido. E não deixa, também, de ser sintomático de uma cultura que delega a responsabilidade da revolução aos HERÓIS solitários - nunca à coletividade. Nada mais humano do que isso.